Dubai registrou uma chuva histórica na terça-feira (16) que levou a alagamentos e impactou até o aeroporto. Meteorologistas locais levantaram a hipótese de que o temporal histórico em um país desértico tenha sido causado pela “chuva artificial” – técnica usada para conter a escassez de água. No entanto, especialistas apontam que a causa mais provável da chuva no deserto tem a ver com as mudanças climáticas.
O temporal que caiu em Dubai acumulou em menos de 48 horas cerca de 142 milímetros de chuva – volume muito maior do que o esperado para um ano inteiro, que é de 94,7 milímetros.
Cerca de 80% da área terrestre dos Emirados Árabes Unidos, onde está Dubai, é desértica. Boa parte do pouco que costuma chover, apenas 100 milímetros por ano (para efeito de comparação, chove por ano 1.300 mm em média na cidade de São Paulo), acaba evaporando pelas altas temperaturas. Com isso, seu ecossistema é muito frágil.
Para tentar driblar essa situação, o país usa a técnica de “semeadura”, ou “cloud seeding”, em inglês, em que as nuvens são bombardeadas com produtos químicos específicos, como iodeto de prata ou gelo seco. Essas substâncias são lançadas de avião na base ou no topo das nuvens consideradas capazes de fazer chover.
Segundo a agência de notícias Associated Press, meteorologistas locais lembraram que o Centro Nacional de Meteorologia realizou seis ou sete voos de “semeadura de chuvas” dias antes das tempestades.
No entanto, os meteorologistas explicam que isso não explica os temporais dias depois justamente pela forma como agem as semeaduras. Na avaliação deles, as chuvas são provavelmente consequência das mudanças climáticas.
Além disso, imagens de satélite mostraram o avanço de nuvens sobre toda a região do Oriente Médio.
Semeadura de chuva ou mudanças climáticas?
A semeadura de chuva é uma técnica usada para “encorpar” nuvens e, assim, fazer com que chova em determinadas regiões.
O meteorologista Giovani Dolif, do Centro de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), ligado ao governo brasileiro, explica que, para reforçar uma possível tempestade que já estava se formando, o bombardeamento químico teria que acontecer exatamente na nuvem onde está se formando a tempestade.
Segundo agências internacionais, a técnica foi aplicada dias antes.
“O efeito da técnica é agregar as gotas de água que estão perdidas no ar para fazer com que elas se agreguem e, com isso, ajudem a formar a chuva. O que pode acontecer é, se a nuvem já tivesse se formado, ela ajudaria a intensificar um pouco a chuva. Ainda assim, em uma tempestade formada dessa magnitude, a semeadura tem pouca influência. Se for dias antes, não teria nenhuma influência”, analisa Giovani.
A análise também é endossada pelo meteorologista Fábio Luengo, da Climatempo, que também vê pouca chance de relação entre o volume do temporal e a semeadura.
Ele diz que a chuva foi surpreendente pelo volume e período, já que a época de chuva ocorre entre novembro e março.
“A gente consegue identificar que já havia um sistema de baixa pressão na região. Ou seja, já ia ter tempestade”, explica.
Mudanças climáticas podem explicar a chuva no deserto
As imagens de satélite mostram que havia um sistema de baixa pressão sobre a região, o que favorece a chuva.
O meteorologista Giovani Dolif explica que esse sistema é como uma bolha de ar mais frio e que passa pela região que é mais quente. Esse encontro já geraria chuva. No entanto, ele se somou à umidade, o que aumentou o volume.
“A chuva na região foi reflexo de um fenômeno meteorológico comum. Só que lá naquela região, como normalmente é muito seco, não causaria esse tipo de problema. Agora, como estamos com a água dos oceanos mais quentes, isso gera mais umidade. A união com a umidade é o que causou tempestades dessa magnitude”, diz Giovani Dolif.
O aquecimento é reflexo das mudanças climáticas, que têm levado o mundo à ebulição.
De acordo com relatório divulgado pelo observatório europeu Copernicus (C3S), março de 2024 foi o mais quente já registrado e, com isso, a Terra chegou ao 10° mês consecutivo em recordes de temperatura.
O calor também se reflete nos oceanos. Nos mares, o calor na superfície atingiu um novo máximo absoluto de 21,09°C. O número ficou acima do recorde anterior de agosto de 2023 (20,98°C). Isso mostra uma alta consecutiva.
A mudança na temperatura dos mares tem impacto na atmosfera e altera fenômenos, como a chuva vista em Dubai.
“Os oceanos muito quentes evaporam mais e, com isso, modificam os processos na atmosfera, oferecendo mais umidade. A atmosfera é uma coisa só, tudo está interligado, por isso as alterações podem causar coisas como essas, uma tempestade no deserto”, segundo Giovani Dolif.