A 19ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (24), mostra que o Brasil teve 1.492 vítimas de feminicídio em 2024, o maior número já registrado desde 2015, quando a legislação que tipifica o crime entrou em vigor.
No recorte do estado do Rio de Janeiro, os dados também revelam um cenário preocupante. Foram 107 feminicídios em 2024, contra 99 no ano anterior, um aumento de 8%. Esse número representa 7,2% de todos os feminicídios ocorridos no país no ano passado.
As tentativas de homicídios de mulheres também cresceram. Em 2024 foram contabilizadas 4.696 casos no estado, ante 3.742 em 2023, aumento de 25,4%. Dessas, 4.025 foram classificadas como tentativas de feminicídio.
No cenário geral, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta que a maioria das vítimas de feminicídio no Brasil é composta por mulheres negras (63,6%) e jovens entre 18 e 44 anos, que representam 70,5% dos casos. Em grande parte, os crimes ocorrem dentro da própria casa da vítima (64,3%) e são cometidos por companheiros ou ex-companheiros (79,8%). As armas mais utilizadas nesses assassinatos são armas brancas, como facas (48,4%), seguidas por armas de fogo (23,6%).
Lídia Gomes dos Santos, jovem negra de 27 anos, entrou para essa estatística. Ela foi encontrada morta na casa do ex-companheiro, Fabrício Piedade da Silva, no dia 29 de junho deste ano.
Segundo relatos da família, o agressor a convidou para ir até sua residência sob o pretexto de conversarem sobre o fim do relacionamento. Os dois haviam se relacionado por 12 anos, mas Lídia decidiu terminar o namoro, decisão que Fabrício não teria aceitado.
O laudo de necrópsia confirmou que a jovem morreu por asfixia mecânica. Fabrício se entregou à Polícia Civil quatro dias depois do crime e vai responder por feminicídio.
Outro caso recente é o de Mariela Amado Vieira, de 44 anos, cuja morte está sendo investigada pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC).
Informações preliminares indicam que o oficial de Justiça Paulo Roberto Mendonça, de 43 anos, estrangulou a companheira dentro do carro da família, no estacionamento do prédio onde moravam, na Rua Conde de Bonfim. Em seguida, ele tirou a própria vida com um tiro. Os corpos foram encontrados na manhã desta quarta-feira (23).
O casal deixa dois filhos menores de idade, um deles com transtorno do espectro autista. As crianças estariam no apartamento no momento do crime.
Homicídios de mulheres x feminicídios
Pesquisadores envolvidos na produção do Anuário Brasileiro de Segurança Pública chamam atenção para a importância de separar os dados de homicídios de mulheres e feminicídio. Isso porque, embora ambos representem assassinatos intencionais, o feminicídio tem uma motivação específica: a mulher é morta por razões ligadas ao gênero. Em geral, esses crimes ocorrem em contextos de violência doméstica e familiar ou são motivados por desprezo, ódio ou discriminação de gênero.
Desde 2015, com a criação da Lei nº 13.104, o Brasil passou a reconhecer o feminicídio como uma forma específica de homicídio. E, em 2024, um novo passo foi dado com a promulgação da Lei nº 14.994, que transformou o feminicídio em crime autônomo, ou seja, deixou de ser apenas uma “qualificadora” dentro do crime de homicídio doloso.
O número real de mulheres mortas por razões de gênero pode ser ainda maior, aponta o Anuário Brasileiro em seu relatório. Isso porque muitos casos deixam de ser registrados como feminicídio, especialmente quando o crime acontece fora do ambiente doméstico ou é cometido por alguém que não tem relação direta com a vítima.
Assim, mesmo que a motivação tenha sido o ódio ou a discriminação contra mulheres, o caso pode acabar sendo tratado apenas como um homicídio comum, o que limita a compreensão da real dimensão da violência de gênero no país.