O Conselho Federal de Medicina (CFM) decidiu nesta segunda-feira (24) suspender “temporariamente” a resolução que restringiu a atuação dos médicos na prescrição de medicamentos de cannabis. A decisão que foi “sustada” pelo CFM permitia que o derivado da cannabis só poderia ser usado para tratar alguns quadros de epilepsia.
De acordo com fontes ligadas ao tema, a decisão foi tomada pelos integrantes do plenário do CFM em uma reunião extraordinária realizada nesta manhã.
A resolução anunciada na sexta-feira (14) foi amplamente criticada por diversos setores. Médicos e entidades apontam que existe comprovação científica para o tratamento com canabidiol de diversas doenças e condições clínicas.
Depois das críticas e ainda antes de anunciar a suspensão dos efeitos da medida, o CFM decidiu abrir uma consulta pública para receber contribuições de toda a população sobre o tema. As sugestões podem ser feitas a partir desta segunda-feira até 23 de dezembro por meio do site da entidade ww.portal.cfm.org.br.
Notas contra a resolução
Na semana passada, cinco entidades assinaram uma nota conjunta contra a resolução: a Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (ABIQUIFI), a Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (ABIFINA), a Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e de Promoção da Saúde (ABIFISA), a Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (Abracro) e a Associação Brasileira das Indústrias de Canabinoides (BRCann).
Um dos pontos defendido pelas entidades é o bem-estar de quem já faz o tratamento e obtém bons resultados. O manifesto critica inclusive a proibição de que médicos mencionem esse tipo de tratamento em palestras e cursos sobre o tema.
A Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade (SBMFC) também divulgou nota contra a resolução do CFM e pediu a revogação da medida. “A arbitrária outorga dessa nova resolução (…) traz diferentes tipos de prejuízos. (…) Recomendamos ao CFM a revogação dessa nova resolução”, escreveu a SBMFC.
Decisão contra o que já é praticado
A nova resolução do CFM, que atualiza a versão de 2014, tinha como objetivo disciplinar a atuação dos médicos. No caso, impondo restrições. Ela proíbe que sejam receitados “quaisquer outros derivados (da cannabis sativa) que não o canabidiol”, bem como apresenta um novo artigo no qual diz que é “vedado” aos médicos prescrever o canabidiol para outras doenças além da epilepsia, exceto se o tratamento fizer parte de estudo científico.
A decisão vai contra o que é atualmente praticado até mesmo pelo Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que o Ministério da Saúde compra medicamentos com canabidiol para várias patologias, inclusive para autismo.
Repercussão no Senado
Entre os parlamentares que questionaram a decisão está a senadora Mara Gabrilli (PSDB), que apresentou ao Senado um projeto de decreto legislativo (PDL 361/2022) para derrubar a decisão.
Em um vídeo em suas redes sociais, Mara alerta que a mudança é um retrocesso.
“Essas restrições redundam em graves prejuízos a pacientes que fazem uso da cannabis medicinal, ou que poderiam vir a fazer. Só em 2021, 70 mil medicamentos foram importados à base de cannabis, com canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC), todos autorizados pela Anvisa para tratar epilepsia, Parkinson, esclerose múltipla, artrite, autismo, no alívio de dores crônicas ou causadas por cânceres, para ansiedade e tantos outros males”.
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL) e Paulo Teixeira (PT) também se manifestaram contra a nova resolução, assim como os deputados federais Daniel Coelho (Cidadania) e Alex Manente (Cidadania), que protocolaram um Projeto de Decreto Legislativo para a cassação da resolução, alegando inconstitucionalidade.
Em entrevista, a diretora executiva da Apoio a Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (APEPI) Margarete Brito disse que a resolução é um revés. “Temos aqui na associação um grande número de idosos com Alzheimer, Parkinson e dores crônicas que utilizam. São 4 mil associados que utilizam óleos de cannabis, e 50% são idosos”, afirma.