O Ministério Público do Rio investiga denúncias de fraudes em um concurso para oficial do Corpo de Bombeiros do estado. Participantes denunciam questões anuladas, notas alteradas e reclassificação de candidatos sem qualquer justificativa.
Dois militares que não tinham passado entraram com recurso e foram aprovados na primeira fase. Um é motorista do comandante dos bombeiros, coronel Leandro Monteiro, e outro é irmão do ex-presidente da Câmara de Vereadores de São João de Meriti.
As investigações apuram o concurso para o “Curso de Habilitação ao Oficialato Administrativo e Especialista do Corpo de Bombeiros 2022”.
A disputa abriu 76 vagas para o quadro de oficiais administrativos e duas vagas para cada um dos quadros de oficiais especialistas.
O Ministério Público investiga o Governo do Estado do Rio – responsável pela contratação – e a banca organizadora, o Instituto Universal de Desenvolvimento Social, (IUDS), que tem sede em São Paulo.
“O Ministério Público foi acionado por diversas notícias de fato, representantes, a princípio, anônimos, apontando a ocorrência de diversas fraudes ou irregularidades no certame relacionado ao quadro de acesso interno do corpo de bombeiros do estado do Rio de Janeiro”, explica Décio Alonso, promotor da 4ª Promotoria de Justiça.
Os casos investigados
Entre as denúncias estão questões anuladas, notas alteradas a reclassificação de candidatos sem qualquer justificativa.
Segundo o MP, ao menos, dez candidatos saltaram de posições depois de serem beneficiados com acréscimos de pontos na prova do concurso.
Um dos candidatos é o subtenente Iverson Prescott Maia Júnior. Segundo o Ministério Público, depois de entrar com o pedido de revisão da prova, ele passou da posição 266 para 31.
Detalhe: por descuido da banca, o nome dele chegou a aparecer simultaneamente nas duas colocações.
Desde 2020, Iverson é motorista do coronel Leandro Sampaio Monteiro, secretário de Defesa Civil do estado e comandante-geral do Corpo de Bombeiros.
A aprovação do subtenente Evalder Perini Vermelho também chamou atenção dos investigadores.
Mesmo não estando na lista preliminar, ele recorreu do resultado e foi aprovado em décimo segundo lugar. Passou de desclassificado para nota 97.
Evalder Perini é secretário municipal de Defesa Civil de São João de Meriti. Ele é irmão de Davi Perini vermelho, o Didê, que presidiu a Câmara Municipal de São João entre 2017 e 2022 e chegou a ser preso, em 2020, numa operação contra fraude na compra de respiradores pelo governo de Santa Catarina. Davi Perini era o dono da empresa responsável pela venda.
Segundo o MP, “o cartão-resposta de Evalder tange ao surreal”.
Outros oito militares que particparam do concurso também aparecem como beneficiados pelo esquena: Dayana Brasil Tenório, Edilson Santos de Souza, Evandro de Castro Santiago, Fernando Coelho, John Ney de Souza, Marciane Candido de Almeida, Michael Paes Liveira Santos e Elcir da Silva Santos.
De acordo com o Mistério Público, a fraude está caracterizada independentemente da ocupação das vagas.
Os dez candidatos investigados podem responder por improbidade administrativa e até perder os cargos que já ocupam.
“A aprovação na primeira etapa, não significa a conquista da vaga. Se o concurso fosse normal eu teria x candidatos lá fazendo a segunda etapa, realmente habilitados”, diz o promotor. Segundo ele, o que foi feito, em última análise, foi tirar alguém habilitado e dar vagas para pessoas favorecidas.
“Fraudar ou atentar contra a lisura do concurso, imparcialidade, alterar para favorecer alguém gera o ato de improbidade administrativa. O MP está muito tranquilo quanto a caracterização de ilícito”, acrescentou.
O MP exigiu à banca organizadora detalhes como gabaritos, publicações, espelhos de provas, listas de aprovados e de segunda chamada. Além dos nomes de militares que trabalharam no concurso.
Outro concurso também teve problemas
A IUDS também foi a banca responsável pelo concurso para soldado bombeiro e terceiro sargento bombeiro músico, realizado em abril, que prevê o preenchimento de 800 vagas na corporação para níveis técnico e médio.
O concurso também coleciona reclamações e denúncias de candidatos.
“Eles elaboraram uma prova com duplos gabaritos, questões que estavam em descumprimento com a bibliografia do edital, pessoas que foram favorecidas de certa forma na hora da convocação do Taf. Nós pedimos que realmente algo possa ser feito na Justiça ao nosso favor porque eles estão lidando com sonhos, com pessoas, com futuros. E eles não podem agir de forma arbitrária”, diz um candidato.
Outro candidato chegou a entrar com uma ação na Justiça contra a banca. “Eu tive que ir pra Justiça, mas nem todo mundo tem essa possibilidade. Todos nós que pagamos merecemos uma prova de verdade, pra gente conseguir botar no papel tudo o que a gente fez. Eu acho que a banca tinha que ter mais respeito com nós candidatos. Faltou planejamento, da banca, fiscais que não eram aptos. Faltou transparência”, diz.
Por ser a mesma banca, o Ministério Público chegou a pedir a suspensão do concurso de abril, mas o pedido foi negado pelo juiz Daniel Calafate Brito. O magistrado entendeu não haver elementos que permitissem a paralisação.
O caso vai ser encaminhado para a auditoria da Justiça Militar.
“A consequência natural é que o concurso ou concursos posteriores sejam afetados por essa fraude. Alguns cenários são possíveis. A responsabilização da empresa organizadora, a responsabilização do próprio estado e a responsabilização dos candidatos envolvidos com a fraude”, diz o promotor Décio Alonso.
Como são militares, eu insisto, esse concurso é um concurso de acesso interno, esses militares praticam crimes militares. Então, a gente vai comunicar esse fato a promotoria de investigação penal junto a auditoria da justiça militar estadual e ela vai tomar as providências possíveis. (O crime) pode ser um peculato, uma corrupção a depender da vantagem que tenha sido proposta e recebida pra essa alteração de posições”, acrescenta.
O que dizem os citados
Os bombeiros dizem que dos 10 militares citados pelo Ministério Público como beneficiários de uma suposta fraude, apenas dois efetivamente fizeram o curso de oficial. Um deles é o irmão do ex-presidente da Câmara de Vereadores de São João de Meriti e ex-secretário de Defesa Civil da cidade, Evalder Vermelho.
Os bombeiros dizem ainda que o concurso foi feito com empresa vencedora de licitação, que já fez dezenas de processos seletivos estaduais e federais e que não tem gerência direta no processo seletivo e que as informações têm que ser passadas pela banca.
Sobre o caso do motorista do comandante dos bombeiros, a corporação disse que mesmo após a reclassificação, ele foi eliminado do processo.
A IUDS diz que já enviou informações solicitadas ao MP e a documentação será enviada novamente conforme solicitado.
“Tudo que o MP-RJ solicitou desta vez nada mais é que o mesmo solicitado da outra vez como pode ser verificado nos autos do processo, e será enviado tudo novamente. O IUDS está à disposição para esclarecer qualquer dúvida que venha surgir”, acrescentou a empresa.