A Amazônia que concentra 20% de toda a água doce do mundo, sofre com a seca que pode bater recorde este ano e se estender até janeiro. Rios estratégicos da região estão com volumes abaixo da média histórica.
A previsão é do Cemaden (Centro de Monitoramento de Alertas de Desastres Naturais, do Governo Federal).
Mais de 4 mil famílias estão sendo abastecidas por caminhões-pipa da Operação Estiagem, iniciada pela Defesa Civil do Rio Branco em julho e que este ano deve ir até dezembro.
Em 2021, a operação atendia 10 comunidades, mas este ano já são pelo menos 30 – em um momento em que o rio Acre, que abastece a capital do Estado, chegou a bater no nível de 1,44 metro, apenas 19 cm acima da mínima histórica de 1,25 metro, registrada em outubro de 2022.
“Estamos com 40% de perda de produção em culturas como mandioca, banana, café, na piscicultura (criação de peixes) e na bacia leiteira – isso representa 40% de perda na economia do produtor na zona rural”, estima o tenente-coronel Cláudio Falcão, coordenador da Defesa Civil em Rio Branco.
“Na zona urbana, há um aumento das doenças respiratórias devido às queimadas e alto risco de desabastecimento de água na capital. Temos nos desdobrado para manter o abastecimento nos bairros onde a água não tem pressão suficiente, e os caminhões-pipa já estão sendo insuficientes para a demanda – lembrando que, com a seca, o consumo de água aumenta”, acrescenta o coordenador.
Opostos extremos
Em um momento em que a região Sul enfrenta enchentes sem precedentes e as temperaturas em todo o país atingem recordes históricos, a seca na Amazônia este ano é a segunda mais grave em 13 anos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Os três acontecimentos – chuva em excesso no Sul, temperaturas acima da média na primavera e seca no Norte – têm uma causa em comum: o El Niño, aquecimento das águas do Pacífico.
Mas, este ano, o El Niño ocorre simultaneamente a um aquecimento do Atlântico Tropical Norte.
É a combinação dos dois efeitos que está agravando a seca na Amazônia e pode atrasar a próxima estação chuvosa na região – que normalmente começa em meados de outubro – em até 45 dias, afirma o meteorologista Renato Senna, do Inpa.
“Nesse momento, basicamente toda a Amazônia Oriental – do Pará até a foz do Amazonas no Oceano Atlântico – já está com déficit de precipitação bastante marcado. E, na Amazônia Ocidental, o problema é mais grave na bacia do Negro e do Rio Branco, no Estado de Roraima, onde a chuva está muito abaixo do que normalmente ocorre nesta época do ano.”
Segundo Senna, a ocorrência simultânea do aquecimento das águas do Pacífico e do Atlântico já aconteceu em 2005 e no biênio 2009-2010 – neste último episódio, foi registrada a maior seca na bacia do rio Negro nos últimos 120 anos.
“No rio Negro, estamos observado este ano um regime de descida do rio muito acentuado e atípico para essa época do ano”, observa Senna.
“Normalmente, (a descida) fica na casa de 15 a 20 cm (por dia). Em 2005, essas taxas foram maiores, mas ainda dentro desse limite; em 2010, já ficou acima dos 20 cm por dia no mês de setembro e, em 2023, estamos em uma média de quase 30 cm por dia – o que é totalmente fora dos padrões”, destaca o especialista.
Ele observa ainda que alguns dos principais rios amazônicos já estão em nível abaixo daquele registrado na mesma época em 2010 – ano da maior seca da história na Amazônia.
“Hoje (26/09), o nível do rio Negro em Manaus está em 16,74 m. A mínima histórica foi 13,63 m em 2010 – mas nessa época aquele ano, o rio estava em 17,2 m. Ou seja, estava 50 cm acima do que temos hoje”, diz Senna, observando que isso indica que a seca esse ano pode talvez superar aquela histórica de 2010.
José Genivaldo Moreira, doutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos e professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), observa que, embora os períodos de seca sejam sazonais na Amazônia e o El Niño seja um fenômeno cíclico, há um aumento da frequência dos eventos climáticos extremos na região, o que pode estar relacionado com o avanço das mudanças climáticas – que são agravadas por fatores como o desmatamento.
“Antes víamos eventos extremos acontecerem a cada 15 anos. Hoje não, vemos acontecer a cada cinco anos e às vezes até menos”, diz Moreira, lembrando que Rio Branco também sofreu com enchentes sem precedentes no primeiro semestre.